GRUPO ESPECIAL, GRUPOS DE ACESSO E BLOCOS DA CAPITAL FLUMINENSE

Mestre Bereco convoca ritmistas da Mocidade de Padre Miguel para reunião

O diretor da bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel, Mestre Bereco, está convocando todos os ritmistas da escola para participarem da reunião de apresentação dos novos diretores e auxiliares da agremiação que será realizada no dia 18, a partir das 20h. Na pauta, o Carnaval de 2009. A reunião será na quadra de ensaios da escola que fica na Rua Coronel Tamarindo,38, em Padre Miguel. A direção de Carnaval da Mocidade pede que todos os ritmistas devolvam as fantasias do desfile de 2009.

Cubango 2010: "Os Loucos da Praia chamada Saudade"


ENREDO: “OS LOUCOS DA PRAIA CHAMADA SAUDADE”

Milton Cunha, para Acadêmicos do Cubango, 2010

“Aos loucos, o Hospício! Aos incuráveis, a Colônia Aos pobres, o Trabalho”.
(o povo)

“mais louco é quem me diz que não é feliz; Eu sou feliz....” (o artista)

“...o maior exemplo de que o Brasil é “Pinel” é o fato do seu Palácio dos Loucos ter se transformado No Palácio da Sabedoria!” (a Cubango)

INTRODUÇÃO
Pelos corredores deste prédio passa muito do Brasil, dos últimos 160 anos. Para o bem e para o mal, este projeto civilizatório, primeiro Hospício, depois Universidade, com um hiato de abandono e planos de demolição do belíssimo palácio neoclássico, demonstra como o poder institucionalizado posiciona-se perante a sociedade brasileira e seus cidadãos. Mesmo com o discurso de criação de dar conforto e tratar bem os insanos, demonstra a mesma divisão de classes opressora e a incapacidade de perceber a realidade do contexto social como mais doente que seus internos. Mais que isso, ao lado das terapias ocupacionais interessantes, pratica as camisas-de-força e eletrochoques. O descaso com o patrimônio e a insana vontade de apagar os feitos dos grupos predecessores, está presente na vontade de pôr abaixo o marco histórico da arquitetura nacional. Como Universidade, ninho de pulsação cultural criativa e rebeldia estudantil, vai demonstrar a violenta ação dos golpistas militares para controlar o pensamento e o saber, retirando a autonomia da instituição. Pelos corredores deste prédio passam os últimos grandes embates brasileiros entre a loucura de sua população e a tentativa de controle de seus governantes.

SINOPSE DO ENREDO
O carnaval é uma loucura e o Brasil, uma coisa de doido! A partir destas duas afirmações, a Acadêmicos do Cubango tece a sua Epopéia da Insanidade, para a folia de 2010: contar, através d’Os Loucos da Praia Chamada Saudade, em forma de desfile de escola de samba, os 158 anos do emblemático e belíssimo prédio que se ergue na esquina da Av. Pasteur com Venceslau Brás, Urca, Rio de Janeiro. Como neste país tudo acaba em samba, vamos começar pelo homem cujo nome denomina a Avenida dos Desfiles: o Decreto de Fundação do local, elaborado e assinado pelo Marquês de Sapucaí, professor e conselheiro do jovem Pedro II, foi promulgado pelo Imperador de 14 anos, visando construir um Hospício para doentes mentais, com espaço, conforto e, claro, divisão de classes. O poder imperial constituído, batizou-o em 1852 de Hospício Pedro II, mas o povão logo resumiu na expressão “Palácio dos Loucos” toda a complexidade da majestosa edificação. O mesmo povo que, sabiamente, diz que “rico é maluco-beleza excêntrico, e pobre, pinel mesmo!”. Coisas de uma nação galhofeira, de brilhantes sacações, que sempre tratou assuntos delicados de forma leve e espirituosa. Nascia a Psiquiatria Brasileira, tratando dos loucos da Praia da Saudade, depois conhecida como Praia Vermelha. Na Casa Grande de estilo Neoclássico, à beira da Baía de Guanabara, os internos se dedicavam às deliciosas terapias ocupacionais, paradoxalmente vigiadas pelas circulares torres de segurança, que se chamavam Panópticos, cujos enfermeiros-guardas estavam sempre prontos para imobilizar os mais agitados. Tal repressão, muitas vezes confundiu discordância e contestação aos padrões estabelecidos pelo poder dominante na Nação, num período específico, com doença mental. Portanto, se passarmos os olhos pela linha do tempo percorrida por este Hospício que se transformou, talvez pela mesma vocação, na Universidade do Brasil (aí é que a população deitou e rolou...), as camisas de força no Segundo Império, bem podem se transformar em tanques do exército cercando o mesmo prédio, na ditadura militar, iniciada no golpe de 64. Fogem loucos; e correm estudantes e professores, ninguém querendo a repressão. A imprensa desejando liberdade, neste ponto junta-se ao interesse da jovem doutora Nise da Silveira, que nos anos 30 foi presa neste endereço hospitalar, por interessar-se pela dita “literatura comunista”, e, mais um pouco antes no tempo (início do século XX), à vontade do grande escritor brasileiro Lima Barreto que, negro e pobre, não podendo mais se dedicar aos estudos, mergulha em profunda crise existencial, que o leva à internação no palácio, na época denominado Hospício Nacional de Alienados, e à escritura do seu “Diário do Hospício”. Se a loucura é um ponto de vista, quais foram estes olhares durante este século e meio? Por exemplo, deposto o Imperador, o “Palácio dos Loucos”, agora administrado pela nascente república, vai eleger que tipo de indivíduo para ser designado “interno”? O próprio ex-Imperador, dado a estripulias sexuais, desejoso de passar mais tempo viajando pelo exterior que permanecendo no Brasil, adorador de múmias, esfinges e colecionador de sarcófagos egípcios, será que ele “batia bem da cabeça” ou viveria o “queixo de caju, imperador banana” (como os lelés da cuca o tratavam) num eterno surto insano? E quantos políticos atuais teriam parafusos a menos, esnobes de Brasília cujos tiques nervosos os fariam iguaisinhos aos loucos da Praia da Saudade, na Belle Époque? Critérios à parte, além de admiráveis anônimos, o primeiro período republicano viu, no interior destas paredes de imensos e luxuosos salões e corredores intermináveis, passarem brilhantes brasileiros, guardados, além de loucos, como personalidades talentosas no coração de nossa gente: o Maestro Ernesto Nazareth e suas partituras musicais mágicas; os citados cadernos do literato Lima Barreto, que inspirava os companheiros de enfermaria a profetizar “...isto aqui está se transformando num colégio!”; o teatrólogo Qorpo Santo e sua inteligentíssima enciclopédia em forma de dramaturgia para encenação; o negão-armário bordador de delicadíssimos bordados, Mestre Sala dos Mares, líder da Revolta da Chibata, João Cândido (cuja loucura era pedir melhores tratos aos marinheiros); o artista plástico Bispo do Rosário, dado a visões psicodélicas lindíssimas como a abertura do teto de seu quarto e a aparição apocalíptica de sete anjos azulados que vieram informa-lhe que ele era O Escolhido; e, do outro lado da linha da normalidade, tentando decifrar a esfinge, os “doutores de lesos” Juliano Moreira (sabiam que ele era negro?), Patrono da Psiquiatria Brasileira, e a já citada Nise da Silveira, autoridade brasileira sobre o Inconsciente. É mole ou quer mais? Tem mais: com o advento de Vargas, a superlotação decretou a decadência e fechamento do Prédio, cujas assombrações de abandono foram pintadas, em magníficas obras, pelo grande pintor brasileiro Iberê Camargo. Mas faz parte do espírito nacional ser fênix, ressurgir das cinzas. Num lampejo de sanidade, Pedro Calmon lutou contra a demolição do prédio, liderou sua restauração e ali internou jovens alunos universitários. Como primeiro Reitor da Universidade do Brasil, o acadêmico substitui os eletrochoques e lobotomias por simpósios e palestras; os neurolípticos por lousa e giz; as freiras e enfermeiras por Mestres e Doutores. Gritos ainda, mas agora permitidos. Se a modernidade democrática é “normal”, a linha do tempo acusa os militares repressores da ditadura sessentista como “doentes”. Pois a liberdade vivida pela instituição (antes psiquiátrica, agora do ensino) foi vista mais uma vez como Palácio dos Loucos, agora não mais pelo povo, mas contra o povo. Loucos eram os que não admitiam que os Generais e as Forças-Armadas poderiam mandar no país, torturar e matar. Louca era a caça aos comunistas. Loucura, ame-a ou deixe-a! Toda a festa foi se encaminhando para o funil do “é proibido proibir”: no antigo prédio se realizou o primeiro show de bossa-nova do país, estrelado por João Gilberto, mas foi a “primeira nua do cinema nacional”, La Bengel, que causou furor na meninada., que clamava: “não há nada de louco no sexo!”. Mas os milicos não pensavam assim, e retiraram a autonomia da Universidade, aos moldes dos loucos que não podiam caminhar livres. Tiros, cassetetes e novamente, eletrochoques, agora assumidamente para tortura e revelação de segredos. O que era terapêutico virou policialesco. O próprio país tinha corporificado as grades do Hospício, toda a nação vivia internada numa grande prisão para Alienados. Poucos ousavam surtar contra. Não precisávamos mais de um local específico, todos os brasileiros debatiam-se na loucura. Mas o foco de sanidade germinou e multiplicou-se, e o pensamento autônomo Universitário, na condição do Fórum de Ciência e Cultura, hoje vive lá. Dizem que vozes são ouvidas nos corredores, enquanto toda a população dorme. São sussurros de espíritos que lá viveram, alegres. São vozes de uma nação atormentada por indagar-se: somos normais? Então porque fazemos o carnaval? A loucura é federal, estadual, ou municipal? Isto sem contar na gargalhada que veio do além, atribuída ao fantasma do Marquês de Sapucaí, que adorou saber que uma parente do velho Doutor Pinel, enfurecida pelo nome do ancestral ter-se transformado em sinônimo de doente mental, ter exigido a troca do nome, o que só fez reforçar a denominação na boca dos loucos da praia chamada saudade, a saudade que sentimos de tempos que não vivemos, mas que desejamos conhecer e compreender; uma saudade mítica, imemorial. Portanto, levante-se fantasma desta praia chamada Cubango! Venha à avenida, que hoje leva teu nome, para brincar e festejar os 158 anos do Palácio cravado na areia cintilante, sob tua influência libertadora.

HISTÓRICO DO ENREDO

GÊNESE DESTE ÉPICO DA INSANIDADE
Sejamos realistas, façamos o impossível: vamos rimar governo e poder com loucura e carnaval, coisa tão natural! Loucos e estudantes; alienados e reitores; que camisa de força os unirá? De Hospício à Universidade, (passando por Hospital e Instituto de Psiquiatria), a história da casa grande do caminho da Fortaleza da Praia Vermelha, contém mais de um século e meio de esperanças, de lutas, de passageiras derrotas e de glórias. O Hospício de Pedro II, além de ser o marco fundador da Psiquiatria Brasileira, iniciou a ocupação dos terrenos na orla da enseada de Botafogo e, passado mais de século e meio desta história (tão doida que reúne, no mesmo balaio de gatos, o Imperador Pedro II e o Doutor Pinel; o professor Sapucaí e o General-Presidente Castelo Branco), até hoje o prédio original existe, parcialmente restaurado, na esquina das Avenidas Venceslau Brás e Pasteur, estendendo-se em direção à Praia Vermelha (antiga Praia da Saudade), na Urca. A Universidade instalou-se no local em 1949 e lá permanece até hoje, mesmo depois da criação do Campus Universitário do Fundão.

LEVÍTICO IMPERIAL
Mas parece que tudo começou, mesmo, com Cândido José de Araújo Viana, o Marquês de Sapucaí (um fantasma que para sempre assombrará este palácio brasileiro de insanos) preceptor de português e literatura do jovem príncipe de apenas 14 anos, a quem se atribui influência não pequena nas atitudes resolutas de Pedro II. Foi o Marquês (que “do sassarico é freguês”, segundo referência da autoridade querida da Mestra Rosa Magalhães), quem assinou o decreto de fundação do Hospício, logo homologado pelo primeiro ato administrativo do jovem Imperador: o Decreto Imperial 82, de 18 de julho de 1841, que fundava um hospital destinado privativamente para o cuidado de alienados, e tratá-los de acordo com os conhecimentos "científicos" da nascente psiquiatria e segundo os ideais humanitários. Vendera a idéia da fundação do Hospício, José Clemente Pereira, que juntava as funções de Ministro de Estado com as de Provedor da pia constituição. Seria caso de internação? Foram dez anos de construção de pátios internos amplos, longos corredores, capela, salões, quartos. Planejado aos moldes de hospitais franceses, provido de espaços suntuosos e decoração de luxo, ficou popularmente conhecido como o “Palácio dos Loucos”. A amplidão dos espaços, a disciplina, o rigor moral, os passeios supervisionados, a separação por classes sociais e diagnósticos, e a constante vigilância do alienado, representam o começo da Psiquiatria no Brasil. Inaugurado em 1852 (quando havia hospitalizados 144 pacientes, sob os cuidados dos doutores José Antonio Pereira das Neves e Lallemont), a área existente entre a ponta da enseada de Botafogo e a pequena Praia da Saudade (Praia Vermelha) acabou sendo a escolhida para a edificação do Hospício, visto que situava-se, àquela época, em região tranqüila e bem distante do centro urbano da cidade. Na Capela Interna do Hospício, sagrada ao Padroeiro do Império, São Pedro de Alcântara, os ditos "normais" ficavam na nave central, enquanto os loucos ficavam isolados, no segundo andar da capela. Trocando as bolas... Prontuários encontrados nos arquivos do antigo Hospício de Pedro II evidenciam a subdivisão de classes sociais que pauta, à época, os serviços de assistência aos doentes mentais do manicômio. Enquanto os pacientes de primeiras e segundas classes (os indivíduos brancos, membros da Corte, fazendeiros e funcionários públicos, os lavradores e serviçais domésticos), viviam em quartos individuais ou duplos e se entretinham com pequenos trabalhos manuais, jogos e leitura), os de terceira e quarta (pessoas de baixa renda, marinheiros de navios mercantes e escravos) eram indigentes, trabalhavam na cozinha, manutenção, jardinagem e limpeza. Estes últimos recuperavam-se com mais facilidade que os primeiros, que, paralisados pelo ócio, perpetuavam-se na internação. Os médicos da época passaram a tentar reabilitar os pacientes. No hospício, os alienados participavam de terapia ocupacional em oficinas de manufatura de calçados, artesanato com palha e alfaiataria, fundição de ferro, encanamento, engenharia elétrica, carpintaria, marcenaria, manufatura de colchões, tipografia e pintura; mas as arcaicas técnicas curativas eram baseadas em ópio, banhos, isolamento, cauterizações, sangrias e purgantes. Na época não haviam tratamentos biológicos, e a forma encontrada para controlar os pacientes mais agitados era trancá-los em quartos fortes e amarrá-los em camisas de força. Doido por sexo (“Pedro é Cauto, não casto”, "Que loucuras cometemos na cama de dois travesseiros!"), maluco por viagens ao exterior (“quando descobriu o mundo, Pedro não quis mais parar”), defensor do regime que o deporia (em defesa da tese republicana, pesam escritos do próprio Pedro II. "Nasci para consagrar-me às letras e às ciências, e, a ocupar posição política, preferiria a de presidente da República ou ministro à de imperador", no Carnaval, a cidade chacoteava o Imperador sem parar: "Não é por certo / Boa moral / Trair a esposa / Com a Barral" ou "Eis o sota escravocrata / Do reinado da patota / Deste reino patarata / Eis o sota escravocrata! / Na sua nádega chata / Fotografou-se o idiota" ) a vida do fundador do grande hospício brasileiro parece ser igualzinha à que hoje é praticada pelos mandatários desta nossa loucura.

MARTÍRIO REPUBLICANO
Em 1883, Teixeira Brandão assumiu a Cátedra de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, sendo, por essa razão, considerado o primeiro alienista brasileiro. Como diretor do Hospício de Pedro II (1886), desanexou essa instituição da Santa Casa de Misericórdia e, em 1890, fundou a primeira Escola de Enfermeiros e Enfermeiras do Brasil. Em 11 de janeiro de 1890, com o Imperador deposto e exilado pela recém-instaurada República, o Hospício de Pedro II foi rebatizado como Hospício Nacional de Alienados. Com a laicização do Hospício, saíram as irmãs de Caridade e as suas agregadas, que exerciam grande parte dos serviços de administração e enfermagem. Mas a superlotação fez com que o atendimento se degradasse e as imponentes instalações ficassem precárias e descuidadas, iniciando uma história de decadência, e os cinco anos que antecedem a passagem para o século XX são marcados pelo caos administrativo, o que resulta em grandes críticas de intelectuais da época. Uma diversidade de acusações questionava o cotidiano e o modelo assistencial do hospício, o que originou uma série de publicações em revistas médicas por meio de crônicas, caricaturas, histórias em quadrinhos, sonetos e poesias satíricas. O Hospício abrigou personagens famosos das artes brasileiras, (alguns deles vítimas do preconceito, o que pesou na internação) tais como: o compositor Ernesto Nazareth, o Rei do Tango; o teatrólogo gaúcho Qorpo Santo, o precursor do Teatro do Absurdo, deixou textos de lógica impecável, que, no entanto, subvertiam os padrões, a exemplo dos nove volumes de Ensiqlopédia, seu testamento literário; o escritor carioca Lima Barreto, que era mulato suburbano carioca e pobre. Com a loucura do pai, Lima largou os estudos por um emprego humilde, para ajudar no sustento da família. E numa realidade que o distanciava dos sonhos, foi tragado pela loucura, mergulhando no alcoolismo para poder continuar a sonhar: Lima Barreto mergulhou na pobreza, na decadência, na loucura, sendo internado como indigente. Outra figura relevante no hospício foi o marinheiro João Cândido Felisberto, o “Almirante Negro”, líder da Revolta da Chibata, em 1910. Um negão de quase dois metros de altura, valentíssimo, que, aprisionado, pirou. Geová, me abana: no hospital, este tremendo “armário” fazia delicados bordados, hoje expostos em São João Del Rey, MG. Que armário é este?! Uma crise gigantesca surgia e só viria a ser solucionada alguns anos após, quando, Juliano Moreira assumiu as funções de Diretor do Hospício Nacional de Alienados, em 1903, quando reformou o velho Hospício Pedro II. Através de decreto oficial, o Pavilhão de Neirossífilis tornou-se o Instituto de Neurossífilis em 1927. Durante 28 anos, até 1930, quando foi destituído pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas, Juliano Moreira ocupou o cargo. Sua liderança duradoura, aliada a uma obra prática e teórica importante, fazem-no passar a ser conhecido como Patrono da Psiquiatria Brasileira. Nise da Silveira começou sua carreira em psiquiatria neste Hospício em 1933. Ela morava num quarto do hospital e lá foi presa durante o Levante Comunista de 1935, em plena ditadura Vargas, por suspeita de ser desta corrente de pensamento político. Em 1937, muda novamente de nome, tornando-se Hospital Psiquiátrico da Praia Vermelha, parte da reestruturação do Ministério da Educação e Saúde. Entre os internos mais conhecidos do antigo Hospital dos Alienados, esteve o paranóico-esquizofrênico Arthur Bispo do Rosário, cujo passado é praticamente desconhecido. Sabe-se apenas que era negro, marinheiro, pugilista, lavador de ônibus e guarda-costas. Nas vésperas do Natal de 1938 foi internado no Hospital, no Rio de Janeiro, após um delírio místico (“Faltavam dois dias para o Natal de 1938. Era meia-noite e Arthur Bispo do Rosário descansava no quintal do casarão da família Leone, no Rio de Janeiro. De repente, a cortina preta que revestia o teto do mundo se rasgou sobre ele e deu passagem a sete anjos de aura azulada e brilhosa. Vinham do céu a seu encontro. Era um chamado”); com diagnóstico de paranóico-esquizofrênico, virou artista plástico e as exposições póstumas de seus trabalhos fizeram sucesso em vários países.

AGONIA E MORTE, CAOS E FANTASMAGORIAS!
Com a transferência do antigo pavilhão de observação para a Universidade do Brasil em 1939, criando o Instituto de Psiquiatria, o Hospital da Praia Vermelha passou a receber todos os doentes mentais indigentes, o que acabou por produzir uma segunda crise de superpopulação de internos. O prédio inaugurado por Pedro II estava decadente, mal conservado, e não tinha condições de abrigar os 3.000 doentes lá internados. Por fim, em setembro de 1944, concluiu-se a transferência dos internos da Praia Vermelha para outros hospitais. O grande pintor brasileiro, Iberê Camargo conseguiu, em algumas de suas telas admiráveis, fixar a angústia do velho prédio abandonado e em reforma. Nelas sentimos como sofriam aqueles muros, que fechavam o nada: extensos corredores, espessas paredes e salões de pé direito altíssimo, abandonados, escuros, poeirentos, cenário para assombrações brasileiras. Havia musica misteriosa ecoando nos corredores; pincéis que dançavam no torpor da escuridão-abandono; nós que atavam e desatavam fazendo tramas que seriam tecidos de lembranças; havia força no bordado cândido que tentava delicadas texturas; uma escritura da saudade que limava a miséria da psiquê. “Quantos somos? Quem somos?” Vozes e sussurros que ecoavam e ecoam nos salões de um país desconhecido, que quase não se vê. Espelho. Vultos passantes dobrando o silêncio cívico de paredes manchadas pela lepra do mau uso e do desuso, com pisos esburacados transformados em tropelias para ratazanas. Até o início de 1948, o destino do Palácio era incerto. Vazio, em ruína, o casarão da Praia da Saudade sensibilizou um homem vigilante do passado, que o colocara entre as instituições de valor histórico e artístico do Brasil. E os inimigos do Hospício não o puderam demolir.

RESSURREIÇÃO DA FÊNIX
Doado à Universidade do Brasil, a antiga sede do hospício só não foi demolida graças a Pedro Calmon (1902-1985), o primeiro Reitor. A partir de 1948 iniciaram-se as obras de restauração do Palácio, e em 24 de dezembro de 1949 estava parcialmente restaurado, quando foi inaugurado pelo Pres. Eurico Gaspar Dutra para ser a sede da reitoria da Universidade do Brasil. O hospício cedeu lugar à Universidade, precursora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e foi cenário tanto de conflitos militares durante a ditadura quanto de um antológico show que reuniu pela primeira vez os astros da Bossa Nova. Um marco definitivo aconteceu em 22 de setembro de 1959, com a “Noite do amor, o sorriso e a flor”, título do disco de João Gilberto, considerado o primeiro show de Bossa Nova do País. O espetáculo aconteceria na Pontifícia Universidade Católica (PUC), reunindo João Gilberto, Nara Leão, Os Cariocas, o conjunto de Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Sylvia Telles, Johnny Alf, Sergio Ricardo, Elza Soares, Astrud Gilberto, Trio Yrakitan, além de Tom Jobim e Vinícius de Moraes; mas o padre Laércio Dias Moura, reitor da PUC, acabou vetando o show, contrário à inclusão de última hora de Norma Bengell, que aparecera nua no filme “Os cafajestes”. Diante do impasse, o evento foi transferido para o Teatro de Arena da Faculdade Nacional de Arquitetura, na Praia Vermelha, hoje Teatro de Arena. A repercussão foi estrondosa. Atualmente, só permaneceram no antigo terreno pertencente ao Hospício de Pedro II, o Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro e o Instituto Philippe Pinel (um decreto de 1965 do então presidente Castelo Branco, primeiro dos generais que governaram o país (1964-1966) após o golpe militar de 64, fez com que o antigo Hospital de Neurossífilis passasse a chamar-se Hospital Pinel). Há também episódios dramáticos, como o cerco do Exército em 1968. Grave, sobretudo, para uma universidade que já tinha brecado a intromissão dos militares, pós-64, sob o pulso forte do reitor Pedro Calmon: "Polícia só entra aqui se for para fazer vestibular". Mas no dia 20 de junho de 1968 o quadro foi outro. Cerca de 150 estudantes se reuniram de manhã para solicitar audiência com o reitor Clementino Fraga. Queriam mais autonomia para a organização estudantil. Enquanto esperava, o grupo soube que o prédio fora cercado pelo Exército. No meio da tarde ouviram de Fraga que o Exército não entraria e todos ali estavam seguros. Por volta das 19h o mesmo reitor desabafou, impotente: "O Exército vai invadir!". Havia alguns líderes presentes, mas foi Wladimir Palmeira quem assumiu o comando. "Decidimos nos armar de paus e pedras e saímos para enfrentá-los", lembra a professora de Sociologia Nanci Valadares, que engrossava o time de estudantes. Muita gente foi presa. E mais grave: o confronto marcou o fim da autonomia universitária durante os anos de chumbo. No início dos anos 70, a reitoria da Universidade foi transferida para a Cidade Universitária, na Ilha do Fundão. Desde então o Palácio passou a abrigar o Fórum de Ciência e Cultura (que lutou pelas “Diretas já”, em 1983, e tem abrigado relevantes pensadores acadêmicos). O tombamento só saiu em 1972. Em 15 de julho de 1985, o então Hospital Pinel passou a chamar-se Hospital Dr. Philippe Pinel, conforme solicitação em carta endereçada ao Ministro, por uma cidadã brasileira parente distante de Philippe Pinel, que indignada com o fato de a palavra "pinel", sobrenome honroso de sua família, ter adquirido sentido ofensivo e estigmatizante, tornando-se vocábulo sinônimo de louco, instava o Ministério da Saúde a acrescentar à denominação do hospital o nome completo de Philippe Pinel e seu título médico de doutor. Com isso esperava que a população, mais bem informada, deixasse de utilizar o termo "pinel" com essa conotação pejorativa. Parece que não colou! É que pra doido, doido e meio... Em 1° de Janeiro de 2000, a loucura foi municipalizada: através de Termo de Cessão firmado em 28 de Dezembro de 1999, o Instituto Philippe Pinel deixou de ser Unidade Federal, passando a ser administrado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, tornando-se Unidade Própria da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Assim como o mosquito da dengue, a loucura poderia ser federal, estadual e municipal...

LOUVOR PÓS-MODERNO
Testemunha da vida quatricentenária desta mui leal e heróica cidade de São Sebastião do Rio de janeiro, o casarão hoje é o templo da ciência, um núcleo de brasilidade, uma arca histórica de tradições e uma das plataformas para a decolagem do Brasil maior. O Palácio da Praia Vermelha não é apenas o templo de nossa memória afetiva, mas o marco vivo de lutas e sonhos de várias gerações. Um século e meio é densidade de vida, que nos faz pensar o passado e prepara o desenrolar de novas perspectivas (que o tempo nos ensina, só mudam de enfermaria!). No paraíso da loucura que o Reinado de Momo é, estabelecemos a celebração dos jogos de espelhos e reflexos que normalidade e loucura são, sempre presentes na linha do tempo. Os acontecimentos que hoje acreditamos importantes, podem não ter qualquer traço no semblante da dona História, no futuro. O que de certa forma é desesperador para nossa fluida existência. Sendo a Universidade um organismo aberto para a comunidade, nada mais justo que celebrar, em Enredo Carnavalesco, a história do Prédio da Universidade do Brasil, que já foi Hospício, Hospital e Instituto para Alienados e psicopatas!

APOCALIPSE RECONFORTANTE
“Deus criou o céu, os mares e a terra. Ele criou as plantas, os animais, os peixes e os pássaros. Os seres humanos, porém, Ele os criou à Sua imagem. Há momentos em que somos tratados com desrespeito, mas podemos estar seguros da nossa dignidade e do nosso valor, pois fomos criados à imagem de Deus. Um ou outro é abilolado, adoidado, alienado, aloprado, aloucado, aluado, alucinado, amalucado, avariado, azoretado, baratinado, biruta, boleado, cabeça-de-vento, delirante, demente, desajuizado, desatinado, descabeçado, desequilibrado, desmiolado, desnorteado, desorientado, destemperado, destrambelhado, desvairado, disparatado, doido, doidivanas, enlouquecido, exaltado, furioso, insano, insensato, lelé, leso, louco, lunático, maluquinho, mentecapto, pancada, pinel, porra-louca, tonto, transtornado, tresloucado, zureta, zonzo; mas tudo bem....” - Que atire a primeira pedra aquele que nunca surtou! - Sinceramente? O Brasil é coisa de louco! - “...loucos alguns, excluídos todos!”

Milton Cunha
Para Acadêmicos do Cubango, 2010
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